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Deus e o Inferno - Parte 1: Há injustiça da parte de Deus?

Deus e o Inferno - Parte 1: Há injustiça da parte de Deus?


Acho que essa é a pergunta mais ouvi na minha vida em todas as vezes que preguei a Palavra de Deus: “como um Deus bondoso poderia mandar pessoas para o inferno?” A pergunta parece incomodar, nossa natureza humana parece querer gritar que isso é injusto e tenta buscar motivos plausíveis e fortes o suficiente para poder fazer com que mudemos de ideia. Mas estou aqui para dizer algo que talvez seja o contrário do que você esperaria ler: não tente encontrar motivos que justifiquem os atos de Deus.


HÁ INJUSTIÇA DA PARTE DE DEUS?

Não devemos tentar colocar o Senhor Todo-Poderoso do Universo, Criador de tudo o que existe e existirá, em uma espécie de “banco dos réus” como se ele devesse responder à alguma Inquisição humana. Nossa inteligência encontra-se humilhada diante da Soberania Infinita de Deus, de modo que por mais que desejemos, nunca conseguiremos contemplar de modo perfeito todas os caminhos que Ele elegeu para trilharmos. Seria muito mais sensato, humilde e coerente que disséssemos como Sproul: “Eu não posso explicar adequadamente por que cheguei à fé em Cristo e alguns de meus amigos não. Só posso olhar para a glória da graça de Deus para comigo, uma graça que eu não mereci na ocasião e não mereço agora.” [1] Trata-se de Graça que é favor imerecido da parte de Deus para conosco (Efésios 2:5). Ouso dizer que, de toda a Criação, a única coisa que realmente merecíamos era a rude cruz que Cristo tomou sobre Si – tudo o que vai além disso não passa de apropriação indevida.

De acordo com a Palavra, todos nós pecamos (Eclesiastes 7:20, Romanos 3:23, 1 João 1:8). Como resultado do pecado, todos nós merecemos a morte (Romanos 6:23) e julgamento eterno do lago de fogo (Apocalipse 20:12-15). Com isso em mente, todo dia que vivemos é um ato de misericórdia de Deus. Mesmo nesse cenário, ainda sim tentamos nos ver como bonzinhos e acreditar que podemos definir padrões morais para o comportamento de Deus, esquecendo-nos (ou desconhecendo) quem realmente somos. Nossa “justiça” de nada vale diante do Senhor, como disse o profeta: “Somos como o impuro — todos nós! Todos os nossos atos de justiça são como trapo imundo.” (Isaías 64:6), há ainda outra frase do Sproul que cai muito bem para este momento: “Se há dois grupos de pessoas no mundo; os eleitos e os não eleitos; um grupo recebe a graça de Deus e o outro recebe a justiça de Deus. Nenhum recebe injustiça de Deus.”

Quando lemos Romanos 9 e Jeremias 18 vemos ali Deus nos comparando ao barro que é transformado e moldado para tornar-se um vaso nas mãos do oleiro, imagine o quanto nossa inteligência está subjugada em relação ao conhecimento de Deus sobre nós. Não sei se você já fez potes ou vasos de barro na vida, mas tente imaginar alguns montinhos de barro dispostos na sua frente, e imagine eles tentando desenvolver teorias sobre como é o oleiro ou sobre como o oleiro pensa, ou ainda, o que é o nosso caso aqui, imagine esses pedaços de barro acusando o oleiro de ser injusto por fazer isto ou aquilo que lhes contraria. Percebe como a situação toda é digna de riso? Eu lhe confesso que se visse algo assim na minha frente minha única atitude seria rir de toda a cena. O que mais eu poderia fazer? Independente dos esforços dos montes de barro eles continuariam sendo barro, nada podendo fazer, e eu continuaria sendo oleiro, podendo molda-los como bem desejasse.

Estamos tão distantes de uma mera centelha do pensamento de Deus que, através do profeta Isaías ele nos disse que: “’Pois os meus pensamentos não são os pensamentos de vocês, nem os seus caminhos são os meus caminhos’, declara o Senhor. ‘Assim como os céus são mais altos do que a terra, também os meus caminhos são mais altos do que os seus caminhos e os meus pensamentos mais altos do que os seus pensamentos.’” (Isaías 55:8-9). Mas se serve de consolo para nós em alguma coisa, o fato é que esta dúvida não é algo que começou a ser feita por esses dias, na verdade o próprio Paulo já respondeu a esta questão, só que em outros moldes. Quando ele escreve aos Romanos, no capítulo 9, ele está basicamente tratando sobre o fato de Deus salvar somente a uns e deixar que outros sigam rumo à condenação. Prevendo a reação dos leitores da carta ao lerem aqueles argumentos, Paulo, como um bom professor, traça a possível questão que poderia ocorrer na cabeça daqueles homens: “E então, que diremos? Acaso Deus é injusto? De maneira nenhuma! Pois ele diz a Moisés: ‘Terei misericórdia de quem eu quiser ter misericórdia e terei compaixão de quem eu quiser ter compaixão’.” (Romanos 9:14-15)

Precisamos perceber a incoerência de certos argumentos que muitas pessoas têm espalhado por aí dizendo que: “Olhe, eu não acreditaria em um Deus que mandasse pessoas para o inferno” ou ainda “Um Deus que condena pecadores ao inferno não pode ser chamado de bom”. O que será que estas pessoas estão querendo dizer com isso? Será que elas estão, sinceramente, tentando demonstrar que os seus planos e as suas capacidades pessoais são superiores às de Deus? Será que elas estão desenvolvendo alguma espécie de raciocínio onde elas creem, verdadeiramente, que poderiam dar palpites acerca da Criação, dos Planos de Deus e de tudo o mais que Ele desejou fazer? A todas estas pessoas eu sinceramente gostaria de ter a oportunidade de perguntar uma única coisa: “você já parou um pouco para refletir que o senso de justiça, amor, sabedoria e santidade de um Deus eterno é infinitamente superior ao seu?” Creio que todas estas pessoas estejam enganadas em sua própria soberba, talvez não uma soberba consciente e deliberadamente ativa contra Deus, talvez um tipo pior de soberba, que é aquela que se encontra impregnada nos ossos e na natureza e que age mesmo quando não se percebe.

Temos um grande e terrível costume que é o de colocar o homem como o núcleo primordial de todas as questões que tratamos e isso se deve ao fato de estarmos completamente cercados por uma sociedade humanista e antropocêntrica e sermos diariamente bombardeados por esta visão de mundo onde o homem, e não Deus, é o centro de todas as coisas. E um dos desdobramentos deste pensamento é a mentira demoníaca de que o propósito da vida humana é a felicidade, na verdade, o propósito da vida humana não é a felicidade, mas sim o conhecimento de Deus, nas palavras de William Lane Craig:


Uma das razões pelas quais o sofrimento parece tão difícil de entender é porque as pessoas naturalmente tendem a assumir que, se Deus existe, então seu propósito para o ser humano é ser feliz neste mundo. Segundo esta ideia, o papel de Deus é fornecer um ambiente confortável para seus animaizinhos de estimação, os seres humanos. Porém, de uma perspectiva cristã, isso é falso. Não somos animaizinhos de estimação de Deus, e o objetivo da vida humana não é a felicidade por si só, mas sim o conhecimento de Deus – o que, no final, trará a plena e duradoura realização humana. [2]


A contemplação dessa simples verdade faz com que todo um caminhão de pensamentos vire de cabeça para baixo. Se compreendemos que não somos meros bichinhos de estimação e que as razões morais de Deus, infinitamente superiores às nossas, não são dedicadas em nos trazer uma felicidade imediata e direta, então muitas das nossas reflexões mudam, e com elas muda muito daquilo que pensamos sobre o inferno. Algo que sempre vem à minha mente como uma conclusão de tudo isso é que a maioria das pessoas que você perguntasse a opinião na rua não se incomodaria com o fato de Deus mandar para o céu pessoas como Hitler ou Stalin, talvez achassem que isso pudesse até ser “justo” ou “amoroso”, mas praticamente as mesmas pessoas se encontrariam diante de um problema quando fala-se em Deus condenando pecadores ao inferno. Isso não é uma moralidade humana, é puro sentimentalismo que não pode e nem deve nos servir como padrão de análise das ações de Deus.

Continua na parte 2...
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[1] SPROUL, R. C. A doutrina da Eleição e a Justiça de Deus. Disponível em: <http://www.josemarbessa.com/2011/08/doutrina-da-eleicao-e-justica-de-deus-r.html>. Último acesso em 10/01/2014.

[2] CRAIG, William Lane. Em guarda: defenda a fé cristã com razão e precisão. Trad. Marisa K. A. de Siqueira Lopes. São Paulo: Vida Nova, 2011, p. 181.
 




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