DEUS NÃO É A HELLO KITTY
Um
deus cuja misericórdia fosse tal como uma forma de paixão ou de emoção que
excedesse a sua própria justiça não poderia ser plenamente misericordioso e nem
plenamente justo, e a misericórdia se tornaria na verdade um defeito que lhe
impossibilitaria de cumprir aquilo que é correto. Deus não é assim. O
verdadeiro e vivo Deus não está fraco ou incoerente diante de um “amor” que o
impede de ser juiz daquilo que Ele criou. Deus não é a Hello Kitty.
Infelizmente
o que mais temos visto hoje em dia são cristãos bradando pelos quatro ventos de
que “o amor é mais importante que todos os outros atributos de Deus”, ou ainda
que este atributo seria o mais fundamental, uma espécie de realidade divina a
qual fosse a origem de todos os demais atributos de Deus. Augustus Nicodemus
nos alerta de que conclusões assim “não podem ser consideradas nem mesmo como
cristãs.” [1]
Essa
ferrenha defesa que muitos fazem sobre esse “deus” açucarado, diluído numa água
de amor e permissividade foi traçada a partir do uso errado do conceito de que
Deus é amor. No caso, o erro maior foi esquecer que além de ser amor, Deus
também é onisciente e onipotente e que seu amor não o obriga a renunciar a
nenhuma de suas características ou atributos em seu relacionamento com suas
criaturas, pois é bem verdade que Deus é amor (1Jo 4:8, 16) mas Ele é, na mesma
medida, “fogo consumidor” (Hb 12:29).
No
passado Deus era retratado como Rei, como Soberano, como Todo-Poderoso. Hoje é
concebido muito mais como Pai amoroso, Pai bondoso, Pai misericordioso, como se
essas duas imagens estivessem em oposição na Sagrada Escritura. Franklin
Ferreira nos lembra que muito dessa alteração da imagem de Deus veio,
especialmente no Brasil, através de correntes teológica à exemplo da Teologia
da Libertação, de Leonardo Boff. Foram pensamentos equivocados como este que talvez
tenha sido um dos primeiros a romper com esse aparente paradoxo bíblico a respeito
de Deus como Rei e como Pai. Boff estabeleceu, literalmente, uma oposição entre
essas duas imagens, afirmando que o Pai de Jesus Cristo agora é um Pai de
misericórdia, um Pai de perdão não mais um Ser irado, um Ser que exige um novo
sacrifício sangrento um sacrifício terrível. [2]
Numa
sociedade relativista e que não admite a submissão ao senhorio de Cristo é
muito comum, infelizmente até mesmo nas nossas igrejas, ouvirmos falar do Reino
de Deus mas quando você fala-se de Deus como o Rei do Reino muitos se incomodam
com essa noção, pois querem um Reino sem Rei, sem o Reinado do nosso Senhor
Todo-Poderoso. As características Deus enquanto um Pai amoroso e um Senhor
Todo-Poderoso são inseparáveis e se vamos usufruir delas teremos de usufruir
delas juntas. Como bem nos lembra Jonas Madureira:
Entender as partes desta crença como partes dissociáveis é implodir o conceito da crença em Deus. Não tem como ser cristão e você separa duas coisas que são inseparáveis. A crença no Deus Todo-Poderoso e a crença no Deus Todo-Amoroso não são partes separáveis de uma crença, não são partes que podem ser faladas como se Deus pudesse ser apenas uma delas ou como se somente uma delas pudesse representar Deus. Não! [3]
Alguns
ainda, na tentativa de fugir da imagem de um Deus justo e que pune os maus pela
sua maldade, alegam a pessoa de Jesus como sendo uma “reformulação de
paradigmas”, numa ideia de que Jesus transformou todos os duros ensinamentos
ministrados até aquele momento em algodão-doce, mas é bom lembrar que mesmo os
discípulos se assombraram diante das palavras do Mestre ao ponto de afirmar: “Dura
é essa palavra. Quem consegue ouvi-la?” (Jo 6:60). Timothy Keller informa-nos
ainda que “Jesus fala mais sobre inferno e punição do que todo o resto dos
autores da Bíblia juntos.” [4] Mas
os pregadores da modernidade que se encontram alimentados pela falsa teologia
da prosperidade afirmam por diversas vezes coisas do tipo: “Jesus se fez pobre
para que você fosse rico e não passasse por necessidades” ou ainda “Jesus lhe
constituiu herdeiro, logo você não terá sofrimentos”. Mas a verdade do
Evangelho é que Jesus não sofreu na cruz
para que você não tivesse que sofrer. Ele sofreu para que, quando você
sofresse, você se tornasse mais parecido com Ele. Esse é um ponto
importante, porque antes de queremos tratar Deus como sendo puro amor e nada
mais, precisamos lembrar que Ele mesmo sofreu, e todo sofrimento precisa ser
pensado a partir da cruz.
Existe
ainda uma objeção muito comum de que os santos que estiverem no céu jamais
poderão ser plenamente felizes se uma pessoa querida estiver no inferno. A
pressuposição dessa questão é que somos “mais misericordiosos que Deus”. Deus,
que é infinitamente mais misericordioso do que nós, está perfeitamente feliz no
céu, e Ele sabe que nem todos estarão lá. Além disso, se não pudéssemos ser
felizes no céu sabendo que alguém estava no inferno, nossa alegria não
dependeria do Senhor, mas sim de outra pessoa. O inferno, todavia, não pode
vetar o céu. Podemos ser felizes no céu da mesma forma que podemos ser felizes
comendo e sabendo que outros estão morrendo de fome, desde que tenhamos tentado
alimentá-los, mas eles recusaram a comida. Assim como podemos curar lembranças
tristes aqui na Terra, Deus também “enxugará dos [nossos] olhos toda lágrima”
no céu (Ap 21:4). [5]
As
atitudes e os sentimentos dos santos no céu serão transformados e
corresponderão mais aos de Deus. Logo, amaremos apenas o que Deus ama e odiaremos
o que Ele odeia.
É muito irracional supor que não deveria haver castigo futuro, supor que Deus, que fez o homem como criatura racional, capaz de entender seu dever e ciente de que merece castigo quando não o cumpre, deveria deixar o homem sozinho, e deixa-lo viver como quer, e jamais castiga-lo por seus pecados, e não diferenciar o bem do mal [...] É muito irracional supor que aquele que fez o mundo deveria deixar as coisas em tal confusão, e não cuidar do governo das suas criaturas, e que ele nunca julgará suas criaturas racionais. [6]
A
justiça de Deus exige o castigo eterno. “A atrocidade de qualquer crime deve
ser avaliada de acordo com o valor ou a dignidade da pessoa contra a qual foi
cometido” [7]. Logo, o assassinato
de um chefe de Estado, de um representante religioso, ou mesmo contra um civil
inocente é considerado mais atroz que o de um terrorista ou de algum chefe do
tráfico. O pecado contra um Deus infinito é um pecado infinito digno de castigo
infinito. Além do mais o trigo e o joio não podem crescer juntos para sempre,
há uma separação final (Mt 13:24-30). Por diversas vezes na Escritura vemos que
um pouco de fermento faz com que toda a massa inche (Mt 13:33), de modo que não
há como Deus misturar santidade e pecado no céu. A única maneira de preservar um
lugar eterno de bem é separar eternamente dele de todo o mal. A única maneira
de ter um céu eterno é ter um inferno eterno.
Estamos
todos muito bem cientes da natureza abominável de guerras e atos contra a
humanidade. Por que não ficamos igualmente chocados com nossa maneira de
demonstrar regularmente nosso desprezo pela majestade de Deus? Rejeitar o
inferno e com ele a justa punição pelos pecados de todos aqueles que afrontam
as características de um Deus Perfeito é uma nítida indicação da nossa
Depravação Total. [8]
Falar
do inferno não fácil, bonitinho ou agradável. Concluir pela necessidade da
justa punição de tantas pessoas é algo que me aperta o coração e me leva às
lágrimas por muitas vezes, mas creio que devamos ter em mente as palavras de Kevin
DeYoung quanto a este tema:
[...] precisamos da ira de Deus para nos prepararmos para a volta do Senhor. Devemos manter as lâmpadas cheias, os pavios aparados, as casas limpas, a vinha cuidada, os trabalhadores ocupados e os talentos investidos a fim de que não sejamos pegos despreparados no dia do acerto de contas. Somente quando crermos plenamente na ira iminente de Deus e tremermos diante da ideia da punição eterna é que ficaremos despertos, alertas e preparados para que Jesus venha outra vez e julgue os vivos e os mortos. [9]
CONCLUSÃO: HUMILDADE
Toda
esta questão é mais profunda do que jamais poderemos conceber e ainda assim
temos por aí milhares de pessoas pregando todos os tipos de doutrinas possíveis
acerca do inferno, da salvação, da vida após a morte, etc. Meu único pensamento
é: essas pessoas não compreendem que estão lidando com vidas humanas? Assuntos
como esse não são um simples debate teológico ou um acerto doutrinário entre
seminaristas, este é o tipo de tema que pode levar toda uma interpretação
bíblica à ruína. Basta ver os problemas notáveis que uma pessoa pode ter quando
crê no Universalismo (o entendimento de que todas as pessoas irão se salvar).
Uma visão assim deturpa toda a verdade sobre a Soberania de Deus, o sacrifício
de Cristo e até mesmo sobre a perseverança dos crentes.
Nisso
tudo o que sei é que todo este pensamento e todo este estudo precisa humilhar a nossa inteligência.
A Palavra está repleta de ensinos acerca de que o Senhor só revela-se ao
humilde (Salmos 25:9; Mateus 5:3, 11:25; Marcos 10:14; 1Coríntios 2:14; Tiago
4:6) e este não é um tema onde temos sequer a possibilidade de nos gabar por
alguma coisa. Se não nos mantivermos humildes e compreendermos que um simples
deslize na Palavra de Deus significa ir contra os Seus ensinamentos jamais poderemos
começar a ter a noção da importância deste assunto.
Não
estou dizendo com isso que alguém vá ser salvo por seu conhecimento teológico,
longe de mim. Estou apenas afirmando que estamos lidando com vidas humanas, com
a esperança do céu, com o sofrimento do inferno e, mais importante, com a
Palavra de Deus. Que a nossa soberba possa ser arrancada fora, que os nossos
joelhos possam estar dobrados ao chão e que o nosso rosto possa estar humilhado
diante do Pai pedindo que Ele infunda em nossos corações a Sua perfeita
vontade. Esta é a minha oração.
____________________
[1] LOPES, Augustus Nicodemus. Deus é amor. Disponível em: <http://tempora-mores.blogspot.com.br/2012/12/deus-e-amor.html>.
Último acesso em 13/01/2014.
[2] FERREIRA, Franklin. Fatores que Afetam o Entendimento do Juízo
Vindouro - Franklin Ferreira. Disponível em: <http://youtu.be/FivqWNo4WJE>.
Último acesso em 14/01/2014.
[3] MADUREIRA, Jonas. A Glorificação de Deus - Jonas Madureira.
Disponível em: <http://youtu.be/OTn2Qy5lXSY>. Último acesso em
14/01/2014.
[4] KELLER, Timothy. Todos Serão Salvos? - Tim Keller.
Disponível em: <http://youtu.be/4EzBYsotAr4>. Último acesso em
15/01/2014.
[5] GEISLER, Norman L. Enciclopédia de apologética: respostas aos
críticos da fé cristã. Trad. Lailah de Noronha. São Paulo: Editora Vida,
2002, p. 429.
[6] EDWARDS, Jonathan. The Works of Jonathan Edwards. v. 2.
Disponível em: <http://www.ccel.org/ccel/edwards/works2.xv.vii.html>.
Último acesso em 10/01/2014.
[7] DAVIDSON, Bruce W. Reasonable
Damnation: How Jonathan Edwards Argued for the Rationality of Hell. Journal of the Evangelical Theological Society,
Louisville, v. 38, p. 50, mar. 1995.
[8] EDWARDS, Jonathan. The Works of... Ibidem.
[9] DEYOUNG, Kevin. A Doutrina da Ira de Deus. Disponível
em: <http://www.monergismo.com/kevin-deyoung/a-doutrina-da-ira-de-deus/>.
Último acesso em 13/01/2014.
Deus e o Inferno - Parte 3: Deus não é a Hello Kitty
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