Páginas

às

Deus e o Inferno - Parte 3: Deus não é a Hello Kitty

Deus e o Inferno - Parte 3: Deus não é a Hello Kitty


DEUS NÃO É A HELLO KITTY

Um deus cuja misericórdia fosse tal como uma forma de paixão ou de emoção que excedesse a sua própria justiça não poderia ser plenamente misericordioso e nem plenamente justo, e a misericórdia se tornaria na verdade um defeito que lhe impossibilitaria de cumprir aquilo que é correto. Deus não é assim. O verdadeiro e vivo Deus não está fraco ou incoerente diante de um “amor” que o impede de ser juiz daquilo que Ele criou. Deus não é a Hello Kitty.


Infelizmente o que mais temos visto hoje em dia são cristãos bradando pelos quatro ventos de que “o amor é mais importante que todos os outros atributos de Deus”, ou ainda que este atributo seria o mais fundamental, uma espécie de realidade divina a qual fosse a origem de todos os demais atributos de Deus. Augustus Nicodemus nos alerta de que conclusões assim “não podem ser consideradas nem mesmo como cristãs.” [1]

Essa ferrenha defesa que muitos fazem sobre esse “deus” açucarado, diluído numa água de amor e permissividade foi traçada a partir do uso errado do conceito de que Deus é amor. No caso, o erro maior foi esquecer que além de ser amor, Deus também é onisciente e onipotente e que seu amor não o obriga a renunciar a nenhuma de suas características ou atributos em seu relacionamento com suas criaturas, pois é bem verdade que Deus é amor (1Jo 4:8, 16) mas Ele é, na mesma medida, “fogo consumidor” (Hb 12:29).

No passado Deus era retratado como Rei, como Soberano, como Todo-Poderoso. Hoje é concebido muito mais como Pai amoroso, Pai bondoso, Pai misericordioso, como se essas duas imagens estivessem em oposição na Sagrada Escritura. Franklin Ferreira nos lembra que muito dessa alteração da imagem de Deus veio, especialmente no Brasil, através de correntes teológica à exemplo da Teologia da Libertação, de Leonardo Boff. Foram pensamentos equivocados como este que talvez tenha sido um dos primeiros a romper com esse aparente paradoxo bíblico a respeito de Deus como Rei e como Pai. Boff estabeleceu, literalmente, uma oposição entre essas duas imagens, afirmando que o Pai de Jesus Cristo agora é um Pai de misericórdia, um Pai de perdão não mais um Ser irado, um Ser que exige um novo sacrifício sangrento um sacrifício terrível. [2]

Numa sociedade relativista e que não admite a submissão ao senhorio de Cristo é muito comum, infelizmente até mesmo nas nossas igrejas, ouvirmos falar do Reino de Deus mas quando você fala-se de Deus como o Rei do Reino muitos se incomodam com essa noção, pois querem um Reino sem Rei, sem o Reinado do nosso Senhor Todo-Poderoso. As características Deus enquanto um Pai amoroso e um Senhor Todo-Poderoso são inseparáveis e se vamos usufruir delas teremos de usufruir delas juntas. Como bem nos lembra Jonas Madureira:

Entender as partes desta crença como partes dissociáveis é implodir o conceito da crença em Deus. Não tem como ser cristão e você separa duas coisas que são inseparáveis. A crença no Deus Todo-Poderoso e a crença no Deus Todo-Amoroso não são partes separáveis de uma crença, não são partes que podem ser faladas como se Deus pudesse ser apenas uma delas ou como se somente uma delas pudesse representar Deus. Não! [3]

Alguns ainda, na tentativa de fugir da imagem de um Deus justo e que pune os maus pela sua maldade, alegam a pessoa de Jesus como sendo uma “reformulação de paradigmas”, numa ideia de que Jesus transformou todos os duros ensinamentos ministrados até aquele momento em algodão-doce, mas é bom lembrar que mesmo os discípulos se assombraram diante das palavras do Mestre ao ponto de afirmar: “Dura é essa palavra. Quem consegue ouvi-la?” (Jo 6:60). Timothy Keller informa-nos ainda que “Jesus fala mais sobre inferno e punição do que todo o resto dos autores da Bíblia juntos.” [4] Mas os pregadores da modernidade que se encontram alimentados pela falsa teologia da prosperidade afirmam por diversas vezes coisas do tipo: “Jesus se fez pobre para que você fosse rico e não passasse por necessidades” ou ainda “Jesus lhe constituiu herdeiro, logo você não terá sofrimentos”. Mas a verdade do Evangelho é que Jesus não sofreu na cruz para que você não tivesse que sofrer. Ele sofreu para que, quando você sofresse, você se tornasse mais parecido com Ele. Esse é um ponto importante, porque antes de queremos tratar Deus como sendo puro amor e nada mais, precisamos lembrar que Ele mesmo sofreu, e todo sofrimento precisa ser pensado a partir da cruz.

Existe ainda uma objeção muito comum de que os santos que estiverem no céu jamais poderão ser plenamente felizes se uma pessoa querida estiver no inferno. A pressuposição dessa questão é que somos “mais misericordiosos que Deus”. Deus, que é infinitamente mais misericordioso do que nós, está perfeitamente feliz no céu, e Ele sabe que nem todos estarão lá. Além disso, se não pudéssemos ser felizes no céu sabendo que alguém estava no inferno, nossa alegria não dependeria do Senhor, mas sim de outra pessoa. O inferno, todavia, não pode vetar o céu. Podemos ser felizes no céu da mesma forma que podemos ser felizes comendo e sabendo que outros estão morrendo de fome, desde que tenhamos tentado alimentá-los, mas eles recusaram a comida. Assim como podemos curar lembranças tristes aqui na Terra, Deus também “enxugará dos [nossos] olhos toda lágrima” no céu (Ap 21:4). [5]

As atitudes e os sentimentos dos santos no céu serão transformados e corresponderão mais aos de Deus. Logo, amaremos apenas o que Deus ama e odiaremos o que Ele odeia.

É muito irracional supor que não deveria haver castigo futuro, supor que Deus, que fez o homem como criatura racional, capaz de entender seu dever e ciente de que merece castigo quando não o cumpre, deveria deixar o homem sozinho, e deixa-lo viver como quer, e jamais castiga-lo por seus pecados, e não diferenciar o bem do mal [...] É muito irracional supor que aquele que fez o mundo deveria deixar as coisas em tal confusão, e não cuidar do governo das suas criaturas, e que ele nunca julgará suas criaturas racionais. [6]

A justiça de Deus exige o castigo eterno. “A atrocidade de qualquer crime deve ser avaliada de acordo com o valor ou a dignidade da pessoa contra a qual foi cometido” [7]. Logo, o assassinato de um chefe de Estado, de um representante religioso, ou mesmo contra um civil inocente é considerado mais atroz que o de um terrorista ou de algum chefe do tráfico. O pecado contra um Deus infinito é um pecado infinito digno de castigo infinito. Além do mais o trigo e o joio não podem crescer juntos para sempre, há uma separação final (Mt 13:24-30). Por diversas vezes na Escritura vemos que um pouco de fermento faz com que toda a massa inche (Mt 13:33), de modo que não há como Deus misturar santidade e pecado no céu. A única maneira de preservar um lugar eterno de bem é separar eternamente dele de todo o mal. A única maneira de ter um céu eterno é ter um inferno eterno.

Estamos todos muito bem cientes da natureza abominável de guerras e atos contra a humanidade. Por que não ficamos igualmente chocados com nossa maneira de demonstrar regularmente nosso desprezo pela majestade de Deus? Rejeitar o inferno e com ele a justa punição pelos pecados de todos aqueles que afrontam as características de um Deus Perfeito é uma nítida indicação da nossa Depravação Total. [8]

Falar do inferno não fácil, bonitinho ou agradável. Concluir pela necessidade da justa punição de tantas pessoas é algo que me aperta o coração e me leva às lágrimas por muitas vezes, mas creio que devamos ter em mente as palavras de Kevin DeYoung quanto a este tema:

[...] precisamos da ira de Deus para nos prepararmos para a volta do Senhor. Devemos manter as lâmpadas cheias, os pavios aparados, as casas limpas, a vinha cuidada, os trabalhadores ocupados e os talentos investidos a fim de que não sejamos pegos despreparados no dia do acerto de contas. Somente quando crermos plenamente na ira iminente de Deus e tremermos diante da ideia da punição eterna é que ficaremos despertos, alertas e preparados para que Jesus venha outra vez e julgue os vivos e os mortos. [9]

CONCLUSÃO: HUMILDADE

Toda esta questão é mais profunda do que jamais poderemos conceber e ainda assim temos por aí milhares de pessoas pregando todos os tipos de doutrinas possíveis acerca do inferno, da salvação, da vida após a morte, etc. Meu único pensamento é: essas pessoas não compreendem que estão lidando com vidas humanas? Assuntos como esse não são um simples debate teológico ou um acerto doutrinário entre seminaristas, este é o tipo de tema que pode levar toda uma interpretação bíblica à ruína. Basta ver os problemas notáveis que uma pessoa pode ter quando crê no Universalismo (o entendimento de que todas as pessoas irão se salvar). Uma visão assim deturpa toda a verdade sobre a Soberania de Deus, o sacrifício de Cristo e até mesmo sobre a perseverança dos crentes.

Nisso tudo o que sei é que todo este pensamento e todo este estudo precisa humilhar a nossa inteligência. A Palavra está repleta de ensinos acerca de que o Senhor só revela-se ao humilde (Salmos 25:9; Mateus 5:3, 11:25; Marcos 10:14; 1Coríntios 2:14; Tiago 4:6) e este não é um tema onde temos sequer a possibilidade de nos gabar por alguma coisa. Se não nos mantivermos humildes e compreendermos que um simples deslize na Palavra de Deus significa ir contra os Seus ensinamentos jamais poderemos começar a ter a noção da importância deste assunto.

Não estou dizendo com isso que alguém vá ser salvo por seu conhecimento teológico, longe de mim. Estou apenas afirmando que estamos lidando com vidas humanas, com a esperança do céu, com o sofrimento do inferno e, mais importante, com a Palavra de Deus. Que a nossa soberba possa ser arrancada fora, que os nossos joelhos possam estar dobrados ao chão e que o nosso rosto possa estar humilhado diante do Pai pedindo que Ele infunda em nossos corações a Sua perfeita vontade. Esta é a minha oração.

____________________


[1] LOPES, Augustus Nicodemus. Deus é amor. Disponível em: <http://tempora-mores.blogspot.com.br/2012/12/deus-e-amor.html>. Último acesso em 13/01/2014.

[2] FERREIRA, Franklin. Fatores que Afetam o Entendimento do Juízo Vindouro - Franklin Ferreira. Disponível em: <http://youtu.be/FivqWNo4WJE>. Último acesso em 14/01/2014.

[3] MADUREIRA, Jonas. A Glorificação de Deus - Jonas Madureira. Disponível em: <http://youtu.be/OTn2Qy5lXSY>. Último acesso em 14/01/2014.

[4] KELLER, Timothy. Todos Serão Salvos? - Tim Keller. Disponível em: <http://youtu.be/4EzBYsotAr4>. Último acesso em 15/01/2014.

[5] GEISLER, Norman L. Enciclopédia de apologética: respostas aos críticos da fé cristã. Trad. Lailah de Noronha. São Paulo: Editora Vida, 2002, p. 429.

[6] EDWARDS, Jonathan. The Works of Jonathan Edwards. v. 2. Disponível em: <http://www.ccel.org/ccel/edwards/works2.xv.vii.html>. Último acesso em 10/01/2014.

[7] DAVIDSON, Bruce W. Reasonable Damnation: How Jonathan Edwards Argued for the Rationality of Hell. Journal of the Evangelical Theological Society, Louisville, v. 38, p. 50, mar. 1995.

[8] EDWARDS, Jonathan. The Works of... Ibidem.

[9] DEYOUNG, Kevin. A Doutrina da Ira de Deus. Disponível em: <http://www.monergismo.com/kevin-deyoung/a-doutrina-da-ira-de-deus/>. Último acesso em 13/01/2014.




Comentários
1 Comentários

1 comentários: